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O grave momento do país: pandemia e pactos macabros

O país testemunhou ontem (28/09) um dos mais contundentes depoimentos da CPI da Pandemia. Uma quantidade de denúncias horripilantes expostas de forma clara e com sólidas conexões com gravações e troca de mensagens obtidas por quebras de sigilo. Um conjunto de revelações que mantêm fortes nexos com a cronologia dos acontecimentos que marcaram a atuação do governo federal e do presidente da República na temerária gestão da maior crise sanitária e econômica de nossa história.

Desde o começo da pandemia, o Sindicato tem acompanhado atentamente as ações do governo. A Asfoc-SN denunciou, em nota datada de 26 de março de 2020 (leia aqui), a intenção do governo Bolsonaro em adotar a criminosa e inexequível estratégia de imunização de rebanho na ausência de vacinação. Alertamos também para o grande número de mortes que tal opção acarretaria. Igualmente, ressaltamos que a livre circulação do vírus iria facilitar o surgimento de mutações capazes de comprometer a utilização de vacinas como instrumento de combate à pandemia. Nossas ações, entretanto, não ficaram restritas ao importante trabalho de elaboração de notas de protesto. Participamos ativamente da formulação de pedidos de afastamento do presidente da República, acompanhamos os debates no Congresso Nacional, nos esforçamos na construção de atos e alianças para o enfrentamento dessa que consideramos como a maior calamidade já enfrentada pelo país.

O que não adivinhávamos era como tal estratégia seria utilizada por quadrilhas de criminosos que agiriam no interior e ao redor do Ministério da Saúde como vem sendo amplamente denunciado pela CPI da Pandemia. Um quadro estarrecedor que envolve um gabinete paralelo de assessoramento ao presidente da República e experiências escabrosas com seres humanos para tentar provar a validade do “tratamento precoce”. Um engodo à base de medicamentos ineficazes e contraindicados como cloroquina e ivermectina destinados a conferir uma falsa sensação de segurança na população. Uma falácia responsável por mortes e por danos gravíssimos à saúde de quem acreditou na pregação do governo. Uma falsidade “terapêutica” desmentida pela Organização Mundial de Saúde e outras organizações que refutaram a eficácia do “tratamento” apoiadas em sólidos estudos dos mais bem-conceituados institutos de pesquisa do mundo.

Sobre a utilização da cloroquina, lembramos que pesquisadores da Fiocruz ligados ao projeto Clorocovid-19, juntamente com outros cientistas de instituições parceiras, foram acusados por bolsonaristas de tentar desacreditar o medicamento e de contribuir para morte de pacientes tratados com dosagens diferentes do princípio ativo.  Formado por profissionais de alta qualificação e guiados por forte sentido ético e responsabilidade social, o grupo composto por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) foi injustamente acusado de “usar pessoas como cobaias” por ativistas que desconheciam ou ignoravam propositalmente as informações, os métodos e as formas de monitoramento por eles adotadas. Acusações injustas que mereceram uma nota de repúdio e esclarecimento por parte da Asfoc-SN (leia aqui).

Não tínhamos também a menor dimensão da existência do escandaloso esquema de corrupção e dos interesses econômicos envolvidos na produção e fornecimento dos medicamentos alardeados por Jair Bolsonaro, como as balas mágicas para deter o coronavírus.

O que não podíamos supor era o tamanho e a configuração do esquema que, segundo os depoimentos de pessoas como a advogada Bruna Morato e as investigações levadas a efeito pela CPI da Pandemia, foi montado para apoiar – na ausência de vacinas e na presença de um vírus com grande capacidade de mutação – a tentativa torpe de alcançar uma inatingível imunização de rebanho. Uma estratégia que, a princípio, não valorizava a busca de vacinas, apostando na rápida disseminação do coronavírus pela população. Uma política que foi se moldando ao surgimento dos imunizantes, assim como foram se moldando também as ações de grupos interessados em negociatas envolvendo a sua aquisição.

Bastante segura, Bruna Morato descreve um conluio para evitar a adoção de medidas restritivas de circulação e aglomeração de pessoas que não interessavam aos setores econômicos ou ao presidente e ao seu governo. Uma visão da pandemia que admitia a eliminação dos vulneráveis para que a economia se mantivesse nos trilhos. Um enquadramento covarde, cruel e estúpido do fenômeno que, apesar dos inúmeros avisos acerca do inevitável fracasso de tal opção, fatalmente acabaria por comprometer a proteção à vida e a dinâmica econômica que se pretendia preservar.

De acordo com o que vem sendo revelado pela CPI, o momento inicial da pandemia veio acompanhado da formação do chamado gabinete paralelo; da eleição do “tratamento precoce” como elemento de apoio à adoção – não revelada – da exposição proposital da população; dos interesses da agenda do Ministério da Economia; do envolvimento do Conselho Federal de Medicina e da omissão da Agência Nacional de Saúde Suplementar e de outros órgãos que deveriam zelar pelo bem comum.  Um amálgama que associava ideologia e interesses pecuniários envolvendo fornecedores, empresas de saúde; aventureiros vigaristas; empresas de fachada e grupos no interior do Ministério da Saúde. Uma mistura que reuniu grupos que já atuavam na gestão de Ricardo Barros com novos atores que passaram a gravitar em torno da gestão militar à frente do Ministério da Saúde.

Jamais podíamos imaginar as barbaridades apresentadas na CPI, como a existência de experiências clandestinas com seres humanos e as acusações de tentativas de homicídios que testemunhamos estarrecidos ao acompanhar o depoimento de Bruna Morato e de um senhor que escapou da morte após ser indicado para receber tratamento paliativo para o seu suposto estado terminal. Não nos ocorreu de imediato que o fato da doença não levar a óbito ou produzir sintomas em grande parte dos contaminados poderia ser escandalosa e canalhamente utilizada como “prova” do sucesso do mentiroso “tratamento precoce”.

O que não sabíamos era o que seria feito com Manaus, transformada em balão de ensaio de uma ação de governo que se pretendia implementar em todo o país. Estamos nos referindo à aplicação do “tratamento precoce” defendido pelo ministério comandado por Eduardo Pazuello e personagens como a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”, que propagou mentiras sobre a Fiocruz.

Submetida a experiências macabras, a ação de grupos de corruptos locais e a pavorosa falta de abastecimento de oxigênio e sedativos e outros insumos para intubação, Manaus viveu o horror inimaginável em qualquer outro governo minimamente civilizado.

Não imaginávamos que, em meio à maior calamidade humanitária de nossa história, seríamos todos vítimas das negociatas envolvendo a aquisição de vacinas por intermédio de vigaristas. Negociatas ligadas ao atraso nas negociações com fornecedores qualificados como a Pfizer, o Butantan, entre outros. O que não conhecíamos eram as razões que fizeram o Brasil optar por adquirir do consórcio internacional a quantidade mínima de imunizantes, quando teríamos direito a comprar uma quantidade suficiente para imunizar metade da nossa população. Não tínhamos noção da crueldade e da covardia que seria perpetrada contra nosso povo e contra os interesses do país.

Assistimos um espetáculo pavoroso. Cenas dantescas de abertura de sepulturas em série e enterros cotidianos. Espetáculos em que não faltaram as ações do presidente da República, desqualificando o uso de máscaras, promovendo aglomerações, desautorizando instituições e pesquisadores de renome e propagando o negacionismo. Manifestações do chefe do Executivo contrárias às autoridades sanitárias e científicas. Manifestações da autoridade máxima do governo federal que ocorriam ao mesmo tempo em que o presidente defendia a liberação das armas e o voto impresso, lançando infundadas e agressivas acusações à justiça eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal, como vimos na reunião ministerial de 23 maio de 2020, que chocou o país, ou na Avenida Paulista no 7 de setembro passado. Atitudes que se repetiram no vexaminoso discurso na ONU e na tumultuada e vergonhosa presença da delegação brasileira em Nova York. Uma viagem em que não faltaram constrangimentos como o encontro de Bolsonaro com o primeiro-ministro inglês, Boris Johnson, que, ao contrário de abordar a parceria com a Oxford-AstraZeneca e outros desenvolvimentos, girou entorno de temas fúteis com o presidente brasileiro se gabando de não ter se vacinado pois, entre outras razões, se julgava imunizado por ter contraído o vírus em julho de 2020. Página triste da nossa diplomacia onde chanceler e o ministro da Saúde foram flagrados em atos obscenos dirigidos contra opositores do governo. Episódio que contou ainda com a contaminação de Marcelo Queiroga, Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal, e de um diplomata. Contaminação que impediu a participação brasileira no encontro mundial. Contaminação que fez com que Michele Bolsonaro buscasse se vacinar nos EUA, desqualificando o esforço nacional em imunizar nossa população. Uma patacoada que mereceu a crítica unânime da imprensa internacional e que serviu para isolar ainda mais o país.

Em meio a uma crise multifacetada que já ceifou aproximadamente 600 mil vidas e arruinou a nossa já combalida economia, o voto impresso e liberação de armas ganharam centralidade na agenda destrutiva do bolsonarismo e da selvageria neoliberal. Centralidade como elementos constitutivos das constantes ameaças de golpe e como instrumentos de intimidação da oposição e de silenciamento do contraditório.

Convivemos com um presidente em permanente campanha eleitoral e em busca de inimigos para mobilizar parte dos seus seguidores mais radicais. Uma campanha explícita contra toda a forma de ativismo que não represente a elite econômica ou os fanáticos que o acompanham. Uma campanha que contou com a extinção de centenas de conselhos que fiscalizavam as ações de órgãos governamentais. Uma política de governo que contou com interferências em instituições como a Polícia Federal – denunciada pelo ex-ministro da Justiça e aliado primeira hora do governo – na tentativa de barrar as investigações sobre negociatas no Ministério do Meio Ambiente ou sobre as acusações envolvendo os filhos do presidente que aparecem como suspeitos da prática de peculato, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito ou contratação de laranjas e funcionários fantasmas. Um conjunto de atitudes que se solidificou na imposição de sigilos em matérias de interesse público.

A pandemia, o socorro aos desempregados, os informais, os famintos e os que se encontram morando nas ruas nunca estiveram realmente no foco de atenção do presidente. O auxílio emergencial foi uma conquista da oposição, que posteriormente foi utilizada pelo governo para angariar apoio popular.

Estamos diante de um governo que não fala em melhorar a saúde, a educação. Um governo que não fala em inclusão social, em sustentabilidade ambiental. Um governo que só atende aos interesses de grandes corporações, dos ruralistas e do rentismo improdutivo. Um governo que tolera a grilagem, o garimpo ilegal, o contrabando de madeira, as queimadas. Um governo onde os ataques verbais do presidente aos ativistas do espectro popular contribuíram para fazer prosperar assassinatos de indígenas, quilombolas e lideranças camponesas. Um governo que conviveu com os assassinos de ativistas dos direitos humanos e da cidadania como Marielle Franco.

Ao contrário das potências mundiais, que reforçam a necessidade de investimentos estatais em infraestrutura, educação, ciência, tecnologia, industrialização e seguridade social, estamos apostando em um modelo econômico neocolonial e extrativista que está promovendo a ruína do país e o empobrecimento da população. Um modelo que não tem compromisso com uma vida digna para todos e, tampouco, com o meio ambiente. Um modelo destrutivo sem compromisso com o presente ou o futuro.

Lembramos que na maior crise sanitária já enfrentada pelo país, o governo Bolsonaro teve, até o momento, quatro ministros da Saúde, sendo, que os dois últimos, Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga sob investigação CPI da Pandemia, juntamente com o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. Lembramos as ações destinadas a esconder informações sobre a evolução da pandemia em nosso território.

A CPI da Pandemia chamou a atenção para episódios escabrosos como as experiências com cloroquina promovidas pela Prevent Senior, que resultaram em mortes de pacientes. Alterações de prontuários e códigos de doenças. Gravações de diálogos estarrecedores. Um inferno que contava com figuras denominadas de guardiães, com lemas como lealdade e obediência e com um hino que médicos e demais funcionários eram obrigados a cantar com a mão no peito. Práticas e slogan que nos remetem ao nazismo.

Anteriormente, já tínhamos conhecimento da divulgação irresponsável, pelo presidente da República, de um estudo atribuído ao Tribunal de Contas da União que insinuava a existência de supernotificação que se mostrou falso. Paralelamente assistimos o ministro Marcelo Queiroga em um lamentável pronunciamento na televisão onde ele faltou com a verdade, fez ilações e acusações insanas e tratou de forma leviana a possibilidade da ocorrência de eventos adversos relacionados a jovens com menos de 18 anos vacinados contra a covid-19.

A se confirmar o forte depoimento da advogada da Prevent Senior, não nos restará dúvidas que estamos diante de uma ação criminosa sem precedentes.  Uma ação que a Asfoc-SN vem combatendo nos vários fóruns, frentes e organizações que integramos, e também por parceiros de luta como a Frente pela Vida e a Associação Nacional Vida e Justiça em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19, que ontem (28/09) entregou à CPI uma contribuição para o seu relatório final.

Às vésperas do Dia do Idoso, queremos ressaltar que o episódio da Prevent Senior é a ponta de um iceberg cuja parte pouco visível nos alerta para o fato de que a atenção à saúde não pode ser um negócio. No caso dos idosos fica cada vez mais claro que esta faixa etária não interessa aos grupos privados por ser considerada pouco lucrativa e um investimento de risco. Episódios como esse nos mostram, mais uma vez, que é preciso garantir um sistema de saúde solidário, com base em um pacto intergeracional, de qualidade e acesso universal.  Definitivamente, a pandemia nos mostrou que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado.

Estamos vivendo um verdadeiro sequestro do Estado brasileiro por grupos que, ao que tudo indica, valorizam o darwinismo social e perspectivas tributárias da eugenia. Um sequestro cujo coroamento é a Reforma Administrativa. Uma senha para ocupação definitiva da administração pública pelo crime organizado. Nessa perspectiva, convocamos todos a cerrar fileiras em defesa da vida, da democracia e do Estado como instrumento civilizatório. Conclamamos a todos que participem, nas redes, janelas e ruas, das manifestações do dia 2 de outubro pela abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Conclamamos a todos a discutir no próximo Congresso Interno temas fundamentais como democracia, violência, direitos humanos, o neoliberalismo e o papel do Estado.

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