Oswaldo Cruz não merecia isso!
A maior calamidade de nossa história é fruto da incúria, da incompetência e, como vem revelando a CPI da Covid, da corrupção. Circunstâncias que se concretizaram nas mortes de pacientes por falta de oxigênio ocorridas no Amazonas, no sofrimento daqueles que foram intubados sem sedativos, na desmontagem das competentes equipes de técnicos que dirigiam o Ministério da Saúde e programas exitosos como o Programa Nacional de Imunizações. Um drama que se associa à crise econômica agravada pelas políticas de desamparo dos trabalhadores e de fragilização do Estado implementadas por Paulo Guedes e pela desastrosa gestão da pandemia comandada pessoalmente por Jair Bolsonaro. Uma gestão que levou os hospitais ao colapso e o pessoal da linha de frente ao esgotamento físico e emocional. Uma gestão marcada pelos ataques ao serviço público e aos servidores.
Estamos sob o domínio de um arranjo político antinacional e contrário aos interesses da população. Um arranjo político-administrativo contrário aos profissionais responsáveis pela redução dos danos ocasionados pela adoção da imunização de rebanho como forma de lidar com a presença do coronavírus no país. Um arranjo que pretende afastar servidores estáveis para ocupar, via reforma administrativa, a máquina pública com apadrinhados que não denunciariam as negociatas que hoje são investigadas pela CPI. Um consórcio empenhado em destruir a capacidade do Estado de responder às crises, proteger a sociedade e defender a sua soberania.
Uma tragédia expressa em números estarrecedores. São mais de 550 mil mortos por Covid-19; cerca de 130 mil órfãos; aproximadamente 15 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados, 40 milhões de informais, 63 milhões de negativados no SPC-Serasa, 118 milhões em situação de insegurança alimentar; 19 milhões de famintos e centenas de milhares de famílias em situação de rua.
Números que não estão entre as prioridades daquele que deveria estar integralmente dedicado ao combate à pandemia e à crise econômica que castiga o país. Ao que parece, o presidente da República está mais preocupado com a sua permanência no cargo e com a ampliação da sua base de apoio. Empenho que o levou a escancarar a negociação de cargos com o chamado Centrão.
Diante desse quadro, o país é surpreendido com a notícia de que o presidente Jair Bolsonaro, “entusiasmado com as Olimpíadas” (?!?!), resolveu conferir a medalha Oswaldo Cruz, honraria destinada aos que se destacaram por contribuições relevantes no campo da Saúde pública, a 12 de seus ministros, aos presidentes da Câmara e do Senado e à sua esposa, Michelle Bolsonaro. O presidente também condecorou os seus médicos com a Ordem do Mérito Médico. Nenhuma menção ou homenagem foi prestada aos profissionais da linha de frente que cotidianamente arriscam suas vidas e entristecem ao lidar com a morte e com a dor dos parentes das vítimas da pandemia.
O que fizeram as pessoas escolhidas por Bolsonaro para receber tais honrarias? Nada, absolutamente nada. Ao contrário, muitos contribuíram para a desinformação, para propagação de mentiras sobre a eficácia contra o coronavírus de medicamentos como cloroquina e sobre a pertinência do “tratamento precoce”. Muitos trabalharam para promover a desarticulação entre as esferas federal, estadual e municipal e entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário ou, ainda para a falta de recursos destinados a medidas como o auxílio emergencial.
É espantosa a forma como o governo age em meio à crise. Declarações estapafúrdias acompanhadas de atitudes grosseiras marcam a atuação do chefe do Executivo. Característica pessoal que se mescla com artifícios destinados a ocupar o noticiário. Nessa perspectiva, ao invés de se preocupar com os graves problemas do país, o presidente faz política rasteira com símbolos caros aos brasileiros, à ciência e a categoria dos médicos e sanitaristas em particular. Uma atitude comum em republiquetas e em sátiras a figuras grotescas e demagógicas como o prefeito Odorico Paraguaçu, personagem de dramaturgo Dias Gomes. O presidente se mostra como figura caricata, grotesca, insensível e cômica, não fosse o imenso sofrimento que atinge o país. Um presidente negacionista que trabalha contra a ciência tanto nas declarações que buscam desautorizar personalidades e instituições de notório saber, como na promoção de uma política radical de redução dos recursos destinados a áreas estratégicas como saúde, educação, ciência e tecnologia.
Este é o mesmo governo que para se referir ao dia do agricultor, comemorado em 28 de julho, utilizou como ilustração de sua campanha em homenagem aos agricultores (para o governo somente empresários de agronegócio, notadamente os exportadores), a imagem de uma silhueta masculina portando uma espingarda. Uma inversão de valores que, assim como aconteceu com a medalha Oswaldo Cruz, ressalta o conflito e a morte no lugar da valorização da vida. Uma inversão de valores que busca se apropriar dos símbolos nacionais para confundir a opinião pública e ofender aqueles que lutam ao lado da civilização contra a barbárie. Uma medida que busca silenciar a gritante e pavorosa imagem da fila do osso em Cuiabá. Uma estratégia que procura se utilizar das conquistas de instituições e personalidades veneradas pela nação para enaltecer aqueles que sabotam a construção de um país próspero, inclusivo, sustentável e soberano.
Em 5 de agosto, vamos comemorar o nascimento de Oswaldo Cruz, um cientista que tinha por projeto dotar o país de uma estrutura científica e tecnológica a altura das maiores potências mundiais. Uma estrutura dedicada à saúde pública e aos problemas do país. É triste e revoltante ver o uso de sua imagem associado a práticas demagógicas e a estratégias de comunicação experimentadas na Alemanha de Hitler. A mesma Alemanha que, para desagrado de um país que lutou na Itália contra o Nazifascismo, reapareceu no Palácio do Planalto, na figura da deputada alemã Beatrix von Storch, investigada em seu país por suspeita de envolvimento com neonazismo, recebida alegremente por Bolsonaro fora da agenda oficial. O país não merece!