Nessa data em que comemoramos o Dia do Servidor, nós, da Asfoc-SN, queremos lembrar as mais de 600 mil vítimas fatais da Covid-19 e da incúria. Queremos lembrar os órfãos da pandemia. Queremos lembrar das sequelas que atingem milhares de pessoas. Queremos lembrar das vítimas diretas e indiretas da pandemia entre os trabalhadores da Fiocruz. Queremos lembrar que o silêncio sobre essa calamidade é, para as vítimas e seus familiares, uma segunda morte. Uma negação à expressão do sofrimento e do luto. Não podemos deixar de manifestar nossa indignação e não podemos nos calar diante da criminosa atuação do governo Bolsonaro na pandemia. Não podemos deixar de lutar para que os responsáveis por essa tragédia sejam exemplarmente punidos.
Queremos lembrar também quais são os objetivos primordiais do Estado. Entendemos que as atribuições principais do Estado são a proteção à vida e a promoção do bem-estar da população. Entendemos que o Estado não pode ser instrumento ou balcão de negócios de segmentos privilegiados. Consideramos que o Estado tem a função civilizatória de garantir direitos individuais e coletivos inalienáveis. Direitos como o acesso à saúde, à educação, à moradia, a um meio ambiente saudável, à segurança, ao lazer, à cultura, à ciência e à tecnologia. Direito à livre expressão e a uma sociedade harmônica que não constranja a liberdade de culto e de orientação sexual. Um Estado laico que garanta igualdade entre gêneros e etnias. Uma estrutura a serviço da justiça social e da democracia.
Enfrentamos um governo que vem se esforçando no sentido de retirar direitos básicos da população. Foi assim com a Reforma Trabalhista que, ao contrário da promessa de gerar empregos, abandonou os trabalhadores à própria sorte, precarizou os vínculos até então existentes, colocando todos em situação de fragilidade diante dos patrões. Foi assim também com a Reforma da Previdência que, na prática, acabou com a possibilidade de aposentadoria e feriu de morte a Seguridade Social conquistada na Constituição de 1988. Foi assim com a Emenda Constitucional 95, que congelou investimentos públicos por 20 anos, com forte impacto negativo sobre o acesso e a qualidade dos serviços públicos a que a sociedade tem direito, como é o caso do SUS.
Enfrentamos ataques de forças poderosas que controlam um governo antinacional e antipopular. Um governo que abusa do uso de emendas constitucionais para destruir a Constituição. Um governo promotor de reformas que destroem o poder civilizatório e a capacidade do Estado reagir às crises. Reformas que, sob o pretexto de reduzir o custo Brasil, saquearam as poupanças públicas socialmente construídas, como é o caso da Previdência. Reformas que aumentaram a exploração e desviaram recursos públicos e privados para o mecanismo da dívida. Um mecanismo que alimenta o rentismo, mina as atividades produtivas e gera desemprego e miséria.
Nesse momento enfrentamos outra grande ameaça. Uma ação orquestrada por neoliberais que se concretiza na chamada Reforma Administrativa, a PEC 32. Uma reforma que tem por objetivo principal abrir o Estado para a ocupação de apadrinhados e para o crime organizado. Uma reforma que coroa o sequestro do Estado por grupos nacionais e internacionais que controlam políticos venais e colocam em risco a nossa soberania e o nosso futuro. Uma reforma que destrói conquistas como o Sistema Único de Saúde.
A pandemia demonstrou que não podemos depender do mercado quando se trata de defender a saúde. Mostrou também que instrumentos como proteção trabalhista e renda mínima são essenciais. O resultado da política econômica de Paulo Guedes e Bolsonaro são quase 15 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados, 60 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, 19 milhões de famintos, o crescimento vertiginoso da população em situação de rua, 63 milhões de negativados no SPC, falências, fuga de cérebros e isolamento internacional. Um estrago imenso.
O que foi revelado pela CPI da Pandemia é o descaso e o abandono da população como políticas de governo. Políticas concretizadas pela busca da imunidade de rebanho na ausência de vacinas e na facilitação da circulação do vírus. Políticas expressas no descaso com a vida, na falta de oxigênio, de sedativos para intubação e nas experiências com o criminoso “tratamento precoce” que fizeram de Manaus palco de atrocidades inimagináveis. Ações e omissões que levaram a CPI debater a acusação de genocídio contra os povos originários e a contra a população de uma forma mais ampla. Dramas que, de acordo com a CPI, contaram com a conivência do Conselho Federal de Medicina. Dramas que incluem a participação de planos privados de saúde, como a Prevent Senior.
Estamos diante de um governo que destruiu o Ministério da Saúde e programas exitosos, como o Programa Nacional de Imunizações ou o Mais Médicos. Um governo que está destruindo a estrutura de ciência e tecnologia do país. Um governo que ataca universidades e instituições científicas. Estamos diante de um governo antinacional e antipopular.
Somos dirigidos por um presidente acusado de crime contra a humanidade, prevaricação, charlatanismo e mais uma série de outros, como peculato, popularmente conhecido como rachadinha. Um presidente que tem contra si mais de uma centena de pedidos de abertura de processos de impeachment. Um presidente que trabalha contra a estratégia de vacinação lançando dúvidas sobre a eficácia das vacinas ou divulgando mentiras sobre os efeitos colaterais dos imunizantes.
O serviço público tem sido sucateado como estratégia para facilitar as privatizações, as terceirizações, a corrupção e colocar a população contra os servidores. Lembramos aqui os escândalos envolvendo hospitais de campanha administrados por entidades privadas.
Trabalhos consistentes, como o Atlas do Estado brasileiro, realizado pelo IPEA (https://www.ipea.gov.br/atlasestado/), demonstram que o Executivo Federal tem o mesmo número de servidores que tinha na década de 1990 e hoje luta para atender a uma população bem maior. Tais pesquisas indicam também que a grande maioria dos servidores públicos da União, dos estados e dos municípios está dedicada ao atendimento direto à população e ganha muito pouco. Estamos falando de professores, enfermeiros, bombeiros, policiais, médicos, entre outros.
Estamos frente a um governo que trabalha contra os trabalhadores. Um governo que se nega a negociar com os servidores. Um governo que, além de dificultar o trabalho das instituições públicas, buscou silenciar aqueles que procuram realizar as suas funções, como foi o caso de Ricardo Galvão, diretor do INPE, que denunciou o desmatamento e as queimadas, ou do servidor responsável por setor de importação do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, que denunciou as negociatas envolvendo a aquisição de vacinas diretamente ao presidente da República e depois à CPI.
Nós, da Asfoc-SN, temos nos esforçado bastante para abrir negociações ou obter na Justiça os direitos que o governo Bolsonaro tem tirado dos servidores e terceirizados. Foi assim com as reivindicações entregues aos ministros da Saúde, da Economia e da Casa Civil. Foi assim com as ações que impetramos na Justiça. Foi assim nas mediações que realizamos com a Presidência da Fiocruz, com empresas prestadoras de serviços à Instituição e os terceirizados.
Diante de um governo como esse, não temos dúvidas que a nossa luta corporativa por melhores condições de vida e trabalho passa, também e necessariamente, pela luta mais geral. Lembramos aqueles servidores que por fanatismo ideológico ainda defendem Bolsonaro que este senhor lidera um governo que quer destruir o serviço público e fazer do Estado um instrumento de grupos, cujos interesses são bastante distantes dos interesses do país e da população e, muitas vezes, bem distantes da legalidade.
Nas grandes potências mundiais, o Estado nunca deixou de ser instrumento do desenvolvimento. Com a pandemia, países como os EUA aumentaram em muito o investimento do Estado na economia e no socorro à população. Estamos falando em cifras no patamar de 4 trilhões de dólares. Por outro lado, nota-se no cenário internacional uma virada em favor da industrialização e do protecionismo. Enquanto isso, no Brasil caminhamos em direção oposta, transformamos o país em fornecedor de commodities, um modelo que os economistas chamam de “Fazendão”. Congelamos investimentos e adotamos uma abertura ao capital internacional sem critério. Estamos nos transformando em uma espécie de colônia agroexportadora. Aqui, escandalosamente, o ministro da Economia investe em paraísos fiscais e lucra com a alta do dólar que sacrifica a população e o futuro do país.
A Covid-19 não foi a primeira pandemia e nem será a última. Precisamos aprender muito com a tragédia que atingiu nosso país. Precisamos amparar as vítimas e os órfãos da pandemia. Precisamos nos preparar para atender a demanda reprimida e as sequelas da Covid-19 que certamente vão pressionar a estrutura de saúde do país. Precisamos amparar aqueles que perderam seus empregos em virtude de uma gestão que opôs, estúpida e covardemente, a proteção à vida à economia. Uma gestão que ampliou as consequências da pandemia, prolongou sofrimento e retardou a dinamização da economia.
Precisamos aprender agora para que nunca mais tenhamos uma administração cruel e temerária como essa que hoje dirige o país. Precisamos punir os responsáveis por mortes evitáveis, fortalecer as instituições da democracia e garantir vida digna para todos. O neoliberalismo e o bolsonarismo não têm projetos decentes para o Brasil. O primeiro valoriza a voracidade criminosa do mercado, o segundo é a expressão estúpida e preconceituosa do primeiro. Uma aliança ideológica que agita o surrado fantasma do comunismo e faz do combate à corrupção e do nacionalismo conceitos vazios. Estratégias utilizadas para iludir ingênuos e arregimentar ódios e ressentimentos na direção do fascismo.
Nessa perspectiva, a Asfoc conclama a todos a participar da luta pela civilização e contra a barbárie que ameaça o país. Uma luta contra a ruína. Uma luta de valorização da ciência, da tecnologia e da produção a serviço das demandas sociais. Uma luta por uma ciência e uma tecnologia comprometidas com as questões ambientais, com a solução dos graves problemas do nosso passivo histórico e com os desafios que o presente e o futuro nos colocam.
Não há projeto de nação que se sustente sem um grande e pujante sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, que permita alcançar a soberania e a autonomia nacional. Requisitos fundamentais para levar o Brasil a jogar um papel altivo no cenário das relações internacionais. Urge levarmos à frente, através de um grande esforço civilizacional, a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento.
No âmbito de nossa Instituição, convocamos os servidores, terceirizados, alunos e bolsistas a aproveitar a oportunidade do Congresso Interno para debater como podemos participar, enquanto Instituição de Estado, de esforço nacional de constituição de uma cidadania de fato. Uma cidadania de alto impacto.
Não há possibilidade de avançarmos nas conquistas sociais, na proteção ambiental, no desenvolvimento científico, tecnológico e industrial sem a participação e o apoio da sociedade. Precisamos do Complexo Econômico e Industrial da Saúde do mesmo modo que precisamos da Atenção Primária, que de primária só tem o nome, pois requer conhecimentos sofisticados para entender as dinâmicas dos territórios. Territórios conflagrados ou sob o jugo do crime organizado. Precisamos, portanto, ampliar e estreitar os laços com a sociedade no sentido de construir um país democrático, inclusivo, democrático e soberano.
A Fiocruz, assim como outras instituições, já fez muito. Acreditamos que podemos fazer mais. Esse é o nosso desejo. Essa é a nossa missão como Instituição do Estado.
Executiva Nacional da Asfoc-SN
Coordenações Regionais da Asfoc-SN