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Dilemas éticos contra um projeto de morte e destruição

O país está triste e apreensivo. Enfrentamos a ameaça de variantes do coronavírus – dentre essas, a variante indiana – e a possibilidade de eclosão de uma terceira ou quarta onda, a depender da cidade ou região. Enfrentamos também o colapso dos serviços de atenção à saúde; o desabastecimento de insumos e medicamentos essenciais; o esgotamento físico e emocional das equipes da linha de frente e de toda a população. 

A ausência de políticas públicas de vigilância e prevenção ou a aplicação frouxa desses instrumentos têm prolongado a duração da pandemia e facilitado o surgimento de variantes que poderão vir a comprometer a nossa combalida e tão sabotada estratégia de vacinação. 

Paralelamente, o presidente da República continua apostando na obtenção de uma criminosa e ineficaz imunidade de rebanho, buscando impedir que governadores e prefeitos tomem medidas destinadas a restringir aglomerações e a circulação de pessoas. O chefe do Executivo parece ter outras prioridades. De fato, tem percorrido o país em defesa de outros interesses, promovendo aglomerações onde não faltam péssimos exemplos e declarações que não ajudam em nada o combate à pandemia.

As manifestações convocadas para 29 de maio buscam mobilizar a população contra aquele que a CPI da pandemia vem apontando, sem sombra de dúvidas, como o principal responsável por mortes que poderiam ter sido evitadas e pelo caos econômico, político e humanitário experimentado pelo país. Há um sentimento de que é preciso dar um basta nessa situação. Um sentimento de que é preciso colocar freio no projeto de morte bolsonarista. Um sentimento de que só as ruas podem impedir a continuidade e agravamento da tragédia que nos atingiu. Entretanto, tal caminho esbarra em um dilema ético de difícil solução: promover aglomerações contra a estratégia de imunização de rebanho?

Uma questão polêmica e permeada de boas intenções e considerações bastante relevantes. De um lado, aqueles que, mesmo acreditando na necessidade de impor limites ao autoritarismo estúpido, são radicalmente contrários a aglomerações nesse momento. De outro, aqueles que, reconhecendo os riscos, acreditam que as ações do presidente constituem um perigo maior. Ambos dispostos a lutar por saídas dignas para essa crise.

É fato também que todos os dias nossa gente se arrisca nas ruas para ganhar o pão. Os transportes públicos, indignos da condição humana, revelam a crueldade e descaso com a vida. Atitudes e omissões que marcam o nosso imenso déficit de cidadania e civilização. Uma agressão criminosa ao cidadão e a saúde da população.  Canais de cultivo e livre trânsito para o vírus. 

Tais circunstâncias são apontadas como argumentos em favor de manifestações públicas orientadas por normas de segurança como o uso de equipamentos de proteção individual, álcool gel e distanciamento entre os participantes. Argumentos que não convencem os defensores de outras formas de manifestação menos arriscadas como pressão no Congresso, carreatas, panelaços, judicialização e manifestação nas redes.

A Asfoc-SN acompanha a discussão e compreende as posições que conformam a polêmica. O Sindicato também se revela em um impasse, não tendo posição formada no sentido de apoiar vigorosa e explicitamente uma ou outra proposta. No entanto, embora não tenhamos despendido esforços no sentido de convocar os trabalhadores da Fiocruz para participar dessas manifestações, não abrimos mão de divulgar e apoiar esses atos. Apoio que se traduz também na distribuição de máscaras e orientação aos participantes. 

Entendemos que atravessamos um dos períodos mais difíceis de nossa história. Ao lado da crise sanitária que já ceifou mais de 450 mil vidas, vivemos uma crise econômica sem precedentes. Recordes de desemprego, de pessoas morando nas ruas e de falências se somam à fome, à insegurança alimentar e à violência. O país, isolado e visto como ameaça mundial, caminha para o caos e a ruína.  O fascismo, em associação com milícias e o crime organizado, desafia as instituições e se coloca como séria ameaça à vida, à democracia e ao nosso futuro. Uma conjuntura que nos cobra respostas urgentes.

Os atos programados para o dia 29 de maio são manifestações plurais e não excludentes.  Manifestações amplas que permitem e convocam a participação de todas as pessoas inconformadas com tudo isso que estamos vivendo. Todas as formas de manifestações têm imenso valor e são bem-vindas. Nas redes, nas janelas e nas ruas.  Para quem acha que é possível ir às ruas, vale lembrar que é preciso se proteger e proteger os outros. Que o cuidado é por todos nós.

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