Às vésperas do Congresso Interno, a Asfoc-SN vem manifestar sua crença na capacidade do Brasil superar o atual momento de crise. Acreditamos que é possível construir um país mais justo, menos desigual e sintonizado com os valores da civilização e da dignidade humana. Acreditamos na possibilidade de construção de um projeto de desenvolvimento nacional soberano. Um projeto que tenha o bem-estar do povo mais necessitado como elemento central e orientador das demais políticas públicas. Um caminho responsável, socialmente justo e ambientalmente sustentável. Um projeto que, contrariando a ideia de Estado mínimo, advogue a existência de um Estado necessário que não fuja às suas atribuições precípuas de defensor da vida, de promotor da paz, da justiça e da cidadania, sustentáculo de um novo projeto de nação brasileira. Um Estado laico garantidor da tolerância religiosa. Um Estado que, ao zelar pelo interesse da maioria da sociedade, não descuide dos direitos das minorias e dos vulneráveis. Um Estado soberano e democrático. Dotado de um serviço público de qualidade e à altura dos seus desafios e de suas atribuições.
O avanço neoliberal se fez presente em escala mundial, ameaçando seriamente direitos sociais e conquistas do Estado de bem-estar. Em seu caminho degradação ambiental, pandemias, crises humanitárias, políticas e econômicas, disputas de mercados e choques culturais expressos na dramaticidade das guerras e das migrações forçadas de grandes contingentes em busca de segurança e um futuro melhor.
A profunda crise econômica e política que atingiu o país tem se caracterizado pela rápida produção de graves retrocessos no que se refere aos direitos sociais, à soberania nacional e à capacidade do país responder às crises e competir no mercado internacional. A legislação trabalhista foi duramente atingida e a aposentadoria ferida de morte. Paralelamente, o processo de desindustrialização se agrava e a economia passa por um processo que os economistas chamam de reprimarização da pauta de exportações, verdadeira estaginflação. Os juros da dívida pública avançam sobre os recursos públicos consumindo quase metade do orçamento nacional, enquanto os investimentos em educação, saúde, ciência, tecnologia, infraestrutura e geração de empregos encontram-se congelados por 20 anos, através da inaceitável Emenda Constitucional 95.
Saúde, ciência, tecnologia, sustentabilidade ambiental e políticas de bem-estar e seguridade social se revelam como áreas fundamentais para a garantia de qualidade de vida e de um desenvolvimento econômico inclusivo. Apesar dos baques sofridos, aprendemos muito. Está na hora de retomarmos o protagonismo da construção do país que queremos.
A Asfoc-SN se integra ao Conselho Nacional de Saúde e fará parte do quadro de entidades que integram a gestão (2022-2024) do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O Sindicato compõe o segmento de entidades nacionais dos profissionais de saúde (que inclui a comunidade científica da área), e consideramos um grande desafio e honra a representação do controle social da Saúde. Este é um momento crucial de enfrentamento para defender o SUS (o Sistema Único de Saúde) e buscar as estratégias para realizar as ações necessárias para realização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, desenvolver uma participação firme e permanente em defesa do SUS, com observância dos princípios constitucionais da assistência integral, acessível e de qualidade, lutar por melhores condições para as trabalhadoras e trabalhadores, para os seus postos de trabalho bem como no acesso aos cuidados da saúde e valorização profissional.
A conquista do direito à saúde depende da realização de outros direitos humanos: a alimentação adequada, moradia, trabalho digno, educação de qualidade, informação e participação. Necessitamos de políticas de equidade e inclusão que nos encaminhem ao reconhecimento e ao respeito das diferenças, que tenham o poder de ajudar a quebrar os ciclos de pobreza. Esse congresso precisa construir uma agenda política de defesa dos direitos individuais e dos segmentos sociais ameaçados pelo moralismo reacionário e obscurantista, que agride os mais elementares direitos humanos de nossa população e tenta sufocar os legítimos anseios de nossa sociedade. É imperioso reconstruir relações entre pessoas, solidariedade, pluralismo e inclusão do qual todos nós dependemos.
Dessa forma, esse congresso deve exercer o direito à resistência frente a ações e omissões do poder público que vulnerabilizam ou podem vulnerabilizar os direitos reconhecidos constitucionalmente e deve demandar o reconhecimento de novos direitos.
É necessário garantir o amplo debate político de todas as teses e diretrizes, principalmente com possíveis novas teses.
Cabe ressaltar a necessidade de uma avaliação política dos congressos anteriores, principalmente em relação às implementações das teses e diretrizes na Instituição. Temos que ter clareza sobre o que irá acontecer no pós-congresso e, por isso, é fundamental o acompanhamento e monitoramento da implementação das teses e diretrizes.
Nesse momento em que a Instituição discute o seu Congresso Interno, a Asfoc defende que nos próximos congressos ocorra a ampliação dos elos que a Instituição mantém com a sociedade e com os movimentos sociais, particularmente aqueles representativos das lutas de populações vulnerabilizadas e abandonadas pelo poder público. E também ampliar a democracia interna com a participação mais efetiva da comunidade da Fiocruz.
O congresso finalizará no Dia dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, uma data para demarcar a histórica luta pela não violação dos DH, como também de apontar para estratégias de construção de um mundo com respeito à dignidade da pessoa humana. Convidamos a todos para fazermos desse congresso um caminho que nos conduza a um futuro com a equidade como pilar central.
O sucesso nas conquistas dos objetivos apresentados nas Teses para o IX Congresso Interno da Fiocruz não pode estar apartado da política nacional de distribuição de recursos. Não há como ampliar capacidades, soluções científicas, tecnológicas, educacionais e comunicacionais para o fortalecimento de áreas estratégicas do sistema de saúde com congelamento de gastos públicos com saúde e educação por 20 anos, impostos pela EC nº 95/16. De igual forma, a EC nº 86 retirou os recursos do pré-sal que seriam investidos em educação e saúde, impedindo o financiamento nacional efetivo da saúde.
Visivelmente, a estratégia de esgotamento de recursos para fragilizar todo o sistema relacionado à saúde tem o condão de apresentar oportunidades aos empresários da área, em especial grandes conglomerados internacionais, em detrimento dos interesses da população, o que definitivamente não se alinha com o fortalecimento do SUS e a ampliação das capacidades para soluções na área da saúde.
O projeto político norteador do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) no contexto da 4ª Revolução Industrial deve ser pensado e executado como meio de acesso à universalidade do sistema de saúde, devendo haver forte atenção nas relações peculiares entre o público e o privado.
O diálogo e a participação social efetivos, expressos nas diretrizes para o alcance dos objetivos da Tese 1, devem ser protegidos dos arroubos autoritários do governo, como recentemente ocorrido quanto à Política Nacional de Saúde Mental e Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), nas quais houve o rapto da participação social na tomada de decisão. Situações que chamam a atenção, uma vez que as estratégias de garantia de defesa do SUS e a ampliação de sua capacidade passam necessariamente pelo diálogo com a sociedade.
Portanto, o diálogo social para a defesa e os avanços na capacidade de oferecimento de soluções na área da Saúde pela Fiocruz são pontos fulcrais entre as diretrizes propostas.
A atuação legislativa deve estar expressamente relacionada à garantia de verba governamental para a proteção e os avanços na área da Saúde pela Fiocruz. Conforme já expresso, o interesse privado de ganhos de capital conflita com o objetivo de universalidade do SUS. Não há como manter o sistema, quanto mais imaginar avanços sem que o Estado esteja fortemente alinhado e engajado no projeto.
O impacto da EC nº 95 já representa perda de mais de R$ 22 bilhões no acumulado entre os anos de 2018 a 2020. O desfinanciamento imposto pela EC nº 95 pode chegar a 10% da Receita Correte Líquida (RCL) em 2036, sendo que em 2017 representou 15%, o que implicará o comprometimento de ações e até dos pilares constitucionais do SUS.
Assim, é fundamental que dentre as estratégias de atuação da Instituição esteja expresso o financiamento governamental da área da Saúde.
Além disso, está em processo de encaminhamento a Reforma Administrativa, PEC nº 32, a qual tenta alterar profundamente a organização da administração pública e a relação com os servidores, aprofundando o desmonte e aplicando paulatinamente o esvaziamento do serviço público. Projeto que inviabiliza os objetivos traçados pelo IX Congresso Interno da Fiocruz.
A defesa de um sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde; a defesa do SUS público e universal; e a defesa do desenvolvimento com justiça social, objetivos que perpassam todo o documento do IX Congresso, são anteriores ao planejamento e, principalmente, à concretização de estratégias de atuação internacional da Fundação.
Como planejar atuação internacional se há entraves internos, que obstaculizam o desenvolvimento da ciência e tecnologia dentro do país e se há parcela de brasileiros e brasileiras sem acesso a bens e serviços básicos em saúde? Vale ressaltar que a Constituição Federal prevê a universalidade, a integralidade e a equidade quando trata de sistema nacional de saúde: “A construção de um sistema de saúde que permita concretizar os preceitos constitucionais de universalidade, integralidade e equidade precisa estar associada à consolidação de uma base produtiva e de inovação em saúde para que o sistema nacional de saúde se sustente estruturalmente”.
Para esse planejamento, é preciso que a Fundação equilibre as dimensões social e produtiva e, assim, pondere a lógica econômica e sanitária presente no desenvolvimento tecnológico-industrial e na elaboração de projetos para a saúde.
Ao incentivarem o desenvolvimento do sistema CT&I, a ampliação de novos conhecimentos, serviços e produtos da Fiocruz, inclusive para instituição e promoção de educação, divulgação científica, informação e comunicação para o aprimoramento sustentável do Sistema Único de Saúde (SUS), mostram-se adequadas à aplicação dos princípios constitucionais relacionados aos serviços de saúde: universalidade, integralidade, equidade, descentralização e participação social. Não obstante, apesar desse alinhamento aos princípios constitucionais do Sistema de Saúde, cabe avaliar a sua aplicabilidade e conveniência, a considerar a conjuntura política e econômica, inclusive pelos impactos da Emenda Constitucional nº 95/16, que estabelece o teto de gastos públicos, principalmente com o congelamento dos investimentos na Saúde e outros direitos sociais.
Além das repercussões da EC nº 95/16, como é de conhecimento público, a pandemia implicou especialmente o SUS, que precisou atender prontamente a população acometida pela Covid-19, apesar da precária infraestrutura.
Adiante, há estudos e pesquisas apontando que os prejuízos da pandemia vão além dos atendimentos aos contaminados pela Covid-19, e suas diferentes cepas, também impactando o atendimento, tratamento e prevenção de outras doenças, que tiveram seus acompanhamentos suspensos e/ou interrompidos.
O orçamento público não pode ser negligenciado na conformação de políticas públicas de saúde, uma vez que o Estado, conforme preconizam as diretrizes do IX Congresso Interno da Fiocruz, deve ser o grande fomentador e orientador dessa agenda do futuro, que conjuga o desenvolvimento capitalista e o desenvolvimento científico com base da saúde pública e universal.
Para além de um orçamento em ascensão, a atuação forte do Estado como agente regulador do capital depende de apoio social e político. No momento, não há nenhum nem outro, haja vista que não se pode falar em Brasil soberano, mas, sim, cada vez mais dependente do capital, das tecnologias e produção externa.
Não há como implantar um programa de desenvolvimento quando o Brasil passa por uma das piores fases de sua história no campo científico, em que cientistas alertam para os danos irreversíveis que os cortes de bolsas definidos podem causar no desenvolvimento científico do país. Uma das principais consequências é o aumento da dependência externa, já que tecnologias que poderiam ser desenvolvidas por aqui terão que ser adquiridas de outros países. A revolução industrial 4.0 não se faz por si, mas por seres humanos, no caso, cientistas que hoje estão relegados ao ostracismo. Convém destacar que não se trata de desacreditar a pesquisa científica ou mesmo a evolução tecnológica, trata-se de, na verdade, necessariamente alocar determinadas diretrizes na realidade brasileira, em que o Estado é forte para atender os desejos do capital financeiro. Não há no horizonte qualquer probabilidade de que o Estado brasileiro se torne um regulador do capital, como ocorreu na década de 70, na Europa ocidental. Antes de idealizar uma Fiocruz do futuro, há que se plantar a semente do princípio democrático humanístico trazido pela Constituição Federal de 1988, em que a participação social e a participação popular são as bases de sustentação de qualquer política pública.
Os impactos da política econômica neoliberal ao longo da década de 1990 no Brasil são considerados como um dos fatores que impossibilitaram a retomada de políticas urbanas desenvolvimentistas. Enfraqueceram-se não apenas as condições de vida, mas aspectos sociais, tais como desemprego, violência, pobreza e piora no acesso de serviços públicos.
O Estado era considerado um entrave ao desenvolvimento, e o país foi submetido a um novo padrão de intervenção pública, no qual a intervenção é mínima e vinculada ao poder municipal, o que, por sua vez, culmina com o agravamento da crise urbana.
Vivemos a terceira onda liberal, que se fortaleceu em 2016 a partir do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, radicalizando-se a partir de 2017.
As reformas liberalizantes acompanhadas pela terceira onda buscam retirar do Estado a condição de gestor do crescimento econômico e de políticas públicas, tais como a Emenda nº 95; as reformas Trabalhista e Previdenciária e a recente proposta de Reforma Administrativa, que poderá abrir o Estado para ocupação de apadrinhados.
O SUS, criado na Constituição Federal de 1988, componente do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS), é vítima do subfinanciamento desde sua criação. No contexto de pandemia de Covid-19, sua fragilização se agrava, sobretudo considerando que o planeta vive transformações, com a 4ª Revolução Industrial, a hiperdigitalização, as grandes bases de dados (Big Data), a inteligência artificial e todo um campo de conhecimentos biológicos e genéticos.
O contexto atual é ainda assombrado pelo surgimento de novas e antigas doenças com potencial pandêmico, como é o caso do sarampo. A clara necessidade de atuação coordenada dos Estados, instituições e mecanismos de cooperação internacional para investimentos nos sistemas de saúde, pesquisa científica e tecnologia para o monitoramento desses riscos biológicos é essencial, no entanto, como pensar em avanço tecnológico na saúde com o atual cenário de agravamento das diferenças internacionais, sobretudo com a 4ª Revolução Industrial? E ainda:
• Qual o modelo de monopólio surgirá pós-pandemia para vigilância sanitária?
• Quais os serviços de saúde serão consolidados nos próximos anos e que investimentos serão necessários para capacitar nossos profissionais da saúde?
• Serão os agentes de saúde substituídos pelas tecnologias de aplicativos?
• Os laudos e diagnósticos serão mais eficientes nesse novo modelo e serão mais eficazes que a medicina convencional?
A ideia de concepção do CEIS é a de que “uma sociedade equânime, comprometida com os direitos sociais e a vida, somente é viável com uma base produtiva, tecnológica e de inovação em saúde que lhe dê sustentação, havendo uma relação endógena entre a dimensão social e econômica do desenvolvimento”.
A pandemia confirmou que estamos diante de um sistema completo que envolve simultaneamente a capacidade de tratamento e análise de dados epidemiológicos em larga escala, a proteção e a disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para profissionais de saúde e o acesso gratuito de máscaras, luvas e materiais de higiene, capacidade tecnológica e industrial para a produção em escala de ventiladores, medicamentos e vacinas.
Mas como pensar nesse sistema quando ainda lidamos com parte da população sem recursos básicos de saneamento e tratamento de água?
É essencial analisar os novos desafios dos avanços tecnológicos dentro da realidade brasileira, onde ainda se discute recursos básicos. O projeto desenvolvimentista deve necessariamente passar por setores precarizados da nossa sociedade, só então poderemos avançar no cenário geopolítico em que a Fiocruz estará integrada às cadeias produtivas globais.
O Brasil está vivenciando transformações sociais, tecnológicas e econômicas que terão impacto decisivo para os sistemas de bem-estar social e, em particular, para a área da Saúde e para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo o IBGE, nos próximos 20 anos, o Brasil terá um crescimento populacional de 9,5%, os idosos aumentariam de 30 milhões para 54 milhões. O quadro epidemiológico se aprofundará, logo, as emergências sanitárias continuarão a ser pauta do SUS, especialmente no cenário de mudanças climáticas e destruição ambiental.
É preciso pensar que a digitalização e a conectividade entre pessoas e coisas, a inteligência artificial, o uso de big data, a genética e a biotecnologia, a nanotecnologia, a neurociência, as novas formas de geração e a distribuição de energia, a vida nas cidades e nos territórios trarão risco da perda de uma ideia coletiva da saúde, pautada pela solidariedade.
Não há neutralidade na ciência e na tecnologia. A direção da inovação é dada pela sociedade e pelas instituições e, em que pese seus benefícios, pode aumentar a fragmentação, a exclusão e a desigualdade, de acordo com o padrão e a direção do progresso técnico e de seu uso social.
Portanto, é essencial que a CEIS compreenda o atual conjunto de transformações que impactam o acesso universal, sob o risco de perpetuar políticas públicas ineficientes e fora da realidade histórica e social.
A robótica e a inteligência artificial já são mecanismos de combate à Covid-19, tais como o auxílio nos diagnósticos, mapeamento de doenças, detecção de indivíduos infectados em larga escala etc.
Um dos desafios nesse campo é a necessidade de aumentar a capacidade de produção e inovação em contexto global para que de fato ocorram transformações sociais, econômicas e tecnológicas.
Para aumentar a capacidade de produção, as parcerias público-privadas são ferramenta importante, mas o protagonismo do investimento ainda deverá se manter com o Estado. Além disso, tem-se a impressão equivocada de que o financiamento público se limita à ciência primária, no entanto, os laboratórios públicos fazem hoje todas as etapas da pesquisa.
Além disso, no contexto de aumento da pobreza e da desigualdade, sem a revogação do teto de gastos (EC 95/16), é inviável a adoção de medidas essenciais, tais como: a) aplicação de recursos no SUS; b) retomada do programa Mais Médicos; c) ampliação de testes rápidos; d) garantir insumos e equipamentos de proteção individual; e) aumentar a oferta de leitos hospitalares; f) tributação sobre grandes fortunas, sendo que os recursos poderiam ser utilizados nas áreas da saúde, ciência, tecnologia e saneamento básico.
A base de produção da saúde ainda é frágil, o que, por sua vez, prejudica a prestação de serviços em saúde.
O grande desafio do CEIS é garantir alinhamento entre as demandas sociais de bens e serviços em saúde e os interesses do capital envolvidos em avanço tecnológico.
A contradição entre o modelo redistributivo presente na Constituição Federal de 1988 e os baixos níveis de gastos públicos em saúde se agravaram com a EC nº 95/16.
O Complexo Econômico-Industrial da Saúde é capaz de reduzir nossa dependência tecnológica, no entanto, requer articulações com outros setores e a presença de financiamento em diferentes áreas (desenvolvimento produtivo, saúde, educação, pesquisa e desenvolvimento etc).
A redução da dívida pública e a reforma fiscal podem ser o cerne do problema, somadas ao investimento estrangeiro e ao protagonismo do Estado.
A Constituição, em seu artigo 196, estabelece que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação”.
Nesse contexto, o SUS foi instituído com acesso universal e igualitário e, assim como a atenção integral, deve ser implementado.
As inovações da saúde digital são um complemento para os sistemas de saúde em funcionamento, existindo limitações. No entanto, o emprego de tal tecnologia pode contribuir na atenção à saúde, tais como a prescrição médica eletrônica, o prontuário eletrônico, segurança do paciente/usuário sobre dispensação de medicamentos e sobre a reestruturação da regulação (modelos de estruturação de dados entre entidades de saúde e reguladores devem ser observados na saúde).
Na atual conjuntura que o país está passando, é fundamental desenvolver o observatório integrado de iniquidades em saúde como meio de subsidiar a formulação de políticas públicas pautadas pelo seu enfrentamento e superação de diferenças sociais, geracionais, raciais, étnicas, religiosas, de gênero, de orientação sexual, de deficiências, patologias e síndromes raras. Há de se destacar o interesse na articulação nacional e o fortalecimento institucional. Considerando o potencial técnico, já produzido e o que ainda poderá ser desenvolvido, especificamente pelo observatório integrado de iniquidades em saúde, a Fiocruz pode se propor a participar dos grandes debates nacionais, em especial no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, que tenha o potencial em ampliar as desigualdades em saúde, ciência e educação, de modo que tenha destaque o seu papel institucional e incida efetivamente no enfrentamento e superação das mazelas sociais. A Fiocruz precisa assumir um compromisso mais sólido, como, por exemplo, se comprometer em tornar os quadros da Instituição mais diversificado, de modo a prestigiar as diferenças sociais, geracionais, raciais, étnicas, religiosas, de gênero, de orientação sexual, de deficiências.
A Fiocruz deve organizar a distribuição de seus serviços e produtos em consonância com o princípio da equidade na destinação de recursos públicos, com especial atenção ao fortalecimento de ações intersetoriais e de gestão participativa potencializadoras dos serviços públicos (principalmente nos campos da educação, saúde e assistência social) prestados às populações vulnerabilizadas e ao enfrentamento de toda e qualquer forma de discriminação. É necessário desenvolver um observatório de vigilância popular integrado de iniquidades em saúde, de forma a reunir informações sistematizadas quanto às diversas formas de desigualdades injustas nos campos da saúde, educação e assistência social e subsidiar a formulação de políticas públicas (principalmente intersetoriais) pautadas pelo seu enfrentamento e superação. E contribuir para o desenvolvimento de gestão participativa e ações colaborativas entre serviços públicos de territórios vulnerabilizados para ampliar os efeitos positivos destes para a superação das condições de violência, desigualdades na comunicação e acesso à informação (internet, por exemplo), exclusão social e econômica, por meio principalmente da combinação de atividades nos campos da atenção e promoção da saúde, meio ambiente, popularização da ciência, educação ambiental crítica e comunicação contribuindo com a estruturação de territórios sustentáveis e saudáveis articulados com os serviços públicos em território vulnerabilizados.
A concepção neoliberal de Estado e sociedade costuma ser apresentada e implementada no Brasil sob o argumento do imperativo de modernização. No governo Collor, esse ideário foi pautado no debate político como receituário de novidades, que iria transformar as estruturas econômicas e institucionais “arcaicas”, construídas pelo desenvolvimentismo durante a ditadura militar. Conformaram-se, assim, as primeiras reformas econômicas, a partir de privatizações e da construção de políticas sociais focalizadas na oferta direta de serviços sociais, sob a falsa lógica da otimização de recursos. Tivemos, depois, o aprofundamento das reformas nas décadas de 1990 e início dos anos 2000, modificando substancialmente a estrutura do Estado, tais como o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, de 1995. Para modernizar, “entraves” jurídicos-legais foram removidos, especialmente os de ordem constitucional. Observou-se, dessa forma, o avanço do projeto neoliberal nesse período, na trajetória de precarização do trabalho no setor público e no avanço da terceirização. Não obstante, no campo da saúde, observava-se simultaneamente um processo verdadeiramente revolucionário, com a implementação do Sistema Único de Saúde. Sistema que, adverso ao princípio do Estado Mínimo e da focalização, propôs a universalidade do acesso à saúde. O que constatamos nos últimos anos, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, foi o aprofundamento da fragmentação dos direitos sociais como ponto fulcral do projeto neoliberal.
A proteção à vida e a promoção do bem-estar da população, atribuições clássicas do Estado moderno, têm sido progressivamente negligenciadas.
Foi assim com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que, na contramão de gerar empregos, abandonou os trabalhadores, precarizou os vínculos existentes e ampliou a vulnerabilidade dos empregados diante dos patrões, para privilegiar ainda mais empregadores.
E não foi só: a Reforma da Previdenciária acabou com a possibilidade de aposentadoria, ferindo o conceito de Seguridade Social conquistado na Constituição de 1988 e consolidada em seus pilares: i) Saúde; ii) Assistência Social; iii) Previdência Social.
Ainda podemos citar a Emenda Constitucional nº 95, aprovada no governo de Michel Temer, que congelou os investimentos públicos por 20 anos, com impacto no acesso e na qualidade dos serviços públicos, como é o caso do SUS e da pesquisa científica.
Por fim, a recente proposta de Reforma Administrativa, que abre o Estado para a ocupação de privilegiados e afilhados, contribuindo para a maior fragilização do SUS.
No presente momento, estamos frente a um governo que trabalha contra os trabalhadores e a favor do projeto neoliberal em sua forma mais perversa. São tempos sombrios de um Estado mínimo para o bem-estar social, de interesse público, e de um Estado Máximo para a acumulação de capital, de interesse privado. Vivenciamos a volta do crescimento da população que vive em situação de miséria, fome e insegurança alimentar.
A fome, por exemplo, já volta a ser uma realidade em razão do projeto neoliberal e, com a pandemia e, principalmente, com a forma como o Estado brasileiro escolheu suas ações diante dela, o efeito é ainda mais devastador. A Oxfam – Organização Internacional que atua no combate à pobreza, desigualdade e injustiça social – passou a classificar o Brasil como um dos focos emergentes de fome no mundo, ao lado da Índia e da África do Sul. Nesse cenário, de insegurança alimentar, ataques ao SUS e à ciência, esgotamento dos trabalhadores da área da Saúde – marcados pela sobrecarga de trabalho, medo de contaminação e morte –, perdas dos direitos trabalhistas, terceirização irrestrita, desemprego e salários baixos, o Brasil caminha na contramão de tudo aquilo que conquistamos ao longo da redemocratização.
Na seara do trabalho digno, decente e justo, há instrumentos internacionais que devem ser levados em conta: a Declaração de Filadelfia, Constituição da Organização Internacional do Trabalho ratificada pelo Brasil, pelo Decreto nº 25.696, de 20 de outubro de 1948.
A promoção do trabalho decente, aquele devidamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna e formalizado pela OIT em 1999, é considerada condição fundamental para a superação da pobreza, a redução de desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável, visando o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas, em particular o ODS 8, que busca “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”.
No campo da proteção do trabalho no Brasil, são reforçados pelas Convenções da OIT que também devem guiar o estabelecimento de regras, normativos internos e resoluções tanto no serviço público quanto na iniciativa privada.
As condições para o trabalho digno passam pela busca da concretização dos direitos dos trabalhadores inscritos na Constituição Federal, os quais dependem, muitas vezes, do Estado e do empregador para materializá-los.
Segundo essa diretriz, busca-se ambiente de trabalho que se sustente nas premissas do trabalho criativo, que, por sua vez, depende da realização dos demais requisitos: liberdade, equidade, segurança e dignidade e vice-versa.
Para que esse ambiente se concretize, é necessária a implantação de métodos de gestão da força de trabalho capazes de promover a saúde dos trabalhadores.
O processo de transformação digital no mundo não pode servir como argumento de autoridade para que se aceite as transformações no mundo do trabalho sem a devida reflexão de seus impactos na saúde do servidor e da servidora. Assim, no que concerne à adoção de trabalho 100% remoto ou híbrido, sugere-se a realização de ampla pesquisa entre os servidores, a fim de que se possa mapear os desejos deles quanto ao trabalho remoto. Sugere-se, ainda, a construção de projeto de transição em caso de adoção de jornada híbrida ou 100% remota. Os cuidados na adoção do trabalho remoto se devem à tendência de desmobilização coletiva e solidária dos servidores e o aumento do adoecimento em razão trabalho em longas jornadas. Há necessidade de uma construção democrática no ambiente de trabalho que permita aos trabalhadores cooperarem uns com os outros no desenvolvimento e fortalecimento da solidariedade interna, o que torna indispensável a liberdade de expressão como condicionante do progresso. O caráter de democracia interna é premissa para a construção do trabalho digno.
A Fiocruz tem que continuar prezando pela proteção dos trabalhadores terceirizados, haja vista o grau de precarização a que são submetidos no mercado de trabalho. É importante que os trabalhadores terceirizados tenham acesso a benefícios, saúde, transporte e alimentação, proteção contra acidentes de trabalho, da mesma forma que os servidores de carreira. Somente assim é possível garantir a dignidade a esses trabalhadores. A Instituição deve estar cada vez mais atenta ao cumprimento dos contratos de licitação de pessoal terceirizado, bem como fiscalizar o pagamento das verbas trabalhistas dos empregados terceirizados. Principalmente dos que estamos acompanhando em instituições públicas federais a partir da implementação da Instrução Normativa nº 5, levando em consideração fatores sociais e administrativos, como diferenças de condições de trabalho e de saúde, direitos trabalhistas e cumprimento.
A falha no diagnóstico dos impactos efetivos da Instrução Normativa nº 5 e de todos os textos legais de flexibilização trabalhista é uma pauta urgente para se pensar a Fiocruz do futuro em uma perspectiva realista e próxima, porquanto nenhuma das diretrizes apontadas no Congresso Interno se consolidará nos próximos anos sem o fortalecimento do serviço público e de seus agentes. A redução das desigualdades e iniquidades sociais como visão da Fiocruz deve passar pela discussão das condições de trabalho de uma forma geral, em um ecossistema coexistente.
A discussão sobre desenvolvimento de ambiente mais oportuno, mais criativo, mais sustentável e mais tecnológico se torna secundária frente ao desmonte da carreira, porquanto sem os servidores públicos organizados contra as medidas que tentam deturpar o modelo de Estado brasileiro, não há uma Fundação para se fortalecer e renovar.
As premissas estruturais propositivas de fortalecimento de autonomia, estabilidade e sustentabilidade institucional da Fiocruz são positivas. Para além de assentar bases para mudança legislativas relacionadas ao Estatuto da Fiocruz, seria relevante – dado o atual contexto econômico e político e do posicionamento estratégico da Fundação para o país – que se considerasse ocupar o papel de liderança de representação no arranjo político entre poderes, sobretudo em pautas relacionadas à saúde, pesquisa, ciência e tecnologia. Nesse contexto, defende-se a ampliação dos interesses legislativos não apenas quanto aos interesses específicos e individualizados da Fiocruz, mas como construtor de relações com as outras instituições públicas, traçando o caminho comum com reflexo geral, e liderança nas construções legislativas.
O respeito aos direitos humanos nos ajuda a cumprir os desafios, oportunidades e necessidades do século 21; reconstruir relações entre pessoas e lideranças; e para alcançar a estabilidade global, solidariedade, pluralismo e inclusão na qual todos nós dependemos. Aponta para maneiras pelas quais podemos transformar a esperança em ação concreta com impacto real sobre vidas das pessoas. É fundamental promover a aproximação com o parlamento brasileiro, atuando na formulação de proposições, ações presenciais de convencimento e atuação política.
A Fiocruz deve fortalecer a participação de negros, negras, indígenas e pessoas com deficiência, no âmbito dos programas de educação, iniciação científica e pós-graduação, assegurando sua entrada e permanência nesses espaços de conhecimento e saberes. Além de fortalecer, na perspectiva da determinação social da saúde, a participação efetiva dos movimentos sociais, que defendem os princípios da Reforma Sanitária, da Reforma Urbana e da Reforma Agrária, de forma a contribuir com as políticas institucionais da Fiocruz.
Em linhas gerais, o documento está adequado nos termos analisados ponto a ponto, de acordo com os nortes estabelecidos no ordenamento jurídico internacional e no ordenamento constitucional brasileiro para a garantia do trabalho digno, decente e justo e em defesa da saúde e do SUS.
Em algumas teses e diretrizes, porém, falta detalhamento prático de aplicação e acompanhamento de sua concretização em elementos que merecem uma reflexão mais aprofundada conforme sugestões e encaminhamentos da Assembleia, Grupão e demais agendas preparatórias para o Congresso Interno realizadas pela Asfoc-SN.