Nessa conjuntura difícil que o Brasil atravessa e que, como todos sabem, atinge fortemente as bases da cidadania, da educação, das artes, das ciências e da cultura acadêmica ou das expressões populares. Um momento de incertezas e medo. Uma conjuntura em que as forças do obscurantismo procuram minar o debate, as instituições da democracia e, com elas, as formas de produção e reprodução do conhecimento. Uma conjuntura em que segmentos políticos distantes dos interesses nacionais buscam solapar os alicerces da ciência e da tecnologia que são inegáveis instrumentos do desenvolvimento nacional.
Nesse quadro hostil, do pensamento único, sem margens para o exercício salutar do contraditório, em que a mediocridade se percebe empoderada. Justo nesse momento crucial é que somos chamados a olhar a nossa trajetória. É nesse momento que constatamos que comemorar os 119 anos do Instituto Oswaldo Cruz se constitui também em um ato de convocação, de esperança e de reflexão sobre o lugar e o papel de Manguinhos como patrimônio e instrumento imprescindível das lutas do povo brasileiro na sua busca por conquistar condições de vida dignas para todos.
Manguinhos é o ponto de partida de um projeto ambicioso e frutífero de uma geração que, comandada por Oswaldo Cruz, ousou ir além do que o Estado e a sociedade da época lhes requisitaram. Voltar às origens nos convoca a compreender o caráter inovador da obra inaugurada em 1900 e a dimensão da sua luta em favor da soberania e da implementação de um projeto civilizatório para o país. Um projeto de nação que, embora constantemente atualizado, tenha por características preservar e promover as potencialidades e o bem-estar da população brasileira. Nessa perspectiva, comemorar significa também renovar os laços com o manifesto inaugural em favor da ciência, do desenvolvimento tecnológico e da inovação no campo da saúde pública brasileira.
Voltar às origens é lembrar que uma construção de tal envergadura se fez com ousadia, coragem, determinação e espírito crítico. Voltar às origens é lembrar que as instituições são feitas por pessoas. Pessoas que, por vezes, se veem obrigadas a enfrentar a injustiça e a tirania. Lembramos aqui do triste episódio que ficou conhecido como o massacre de Manguinhos. Momento trágico da história do país em que foram cassados 10 cientistas dessa casa. Uma cassação que interrompeu sonhos, carreiras e importantes linhas de pesquisa.
Voltar às origens é voltar a Oswaldo Cruz e aos caminhos percorridos pela instituição por ele criada. Uma volta que equivale a aceitar um convite à reflexão. Um convite a conhecer um modelo de organização da ciência que ultrapassou todas as expectativas, obtendo êxito expressivo tanto no combate aos principais males que minavam a saúde dos brasileiros, como na construção do aparato científico reclamado pelas condições do país na área da saúde.
Baseado em um modelo que articulava sinergicamente pesquisa, produção, ensino e prestação de serviços, Manguinhos buscou desde suas origens estudar os males que afligiam o Brasil, construindo linhas de investigação sobre estes objetos, ao mesmo tempo em que difundia os novos conhecimentos e se colocava como parte da solução dos problemas por ele identificados.
O projeto inaugurado por Oswaldo Cruz e tocado por gente de valor como Carlos Chagas, Adolfo Lutz, Belisário Penna, Arthur Neiva e tantos outros, enfrentou momentos ruins em muitas oportunidades. Entretanto, em todas soube superar os obstáculos e sobreviver àqueles que lhes eram contrários. Soube sempre reatar os laços com a sua tradição e vocação original. Comemorar 119 anos nos faz lembrar que trazemos em nosso DNA a marca de uma luta secular e a certeza de que somos maiores do que as conjunturas adversas mais sombrias.
Comemorar mais de um século de existência nos lembra que somos parte da história de uma instituição que tem como marca de nascença assumir o seu lugar na linha de frente dos combates às doenças que minavam o ânimo e a saúde dos brasileiros. Um olhar que negou os determinismos raciais e climáticos, em voga nas primeiras décadas do século XX, para afirmar a necessidade de uma intervenção decidida do Estado nas condições de moradia, educação e sanidade que castigavam o país. Uma concepção que sempre reconheceu e afirmou a relevância e o caráter estratégico da saúde, da ciência e da tecnologia para o progresso econômico, para a autonomia nacional e o bem-estar da sociedade.
A Asfoc participa do orgulho de ser Fiocruz e de integrar essa trajetória. É com esse sentimento de pertencimento que nos mobiliza para a luta que a Asfoc parabeniza o Instituto Oswaldo Cruz e, ao parabenizá-lo, saúda também trabalhadoras, trabalhadores e estudantes da Fiocruz que cotidianamente atualizam o projeto inicial. É com base na força do nosso passado e do nosso presente que olhamos para o futuro com a determinação de construir um mundo melhor. Um mundo em que se possa conjugar ciência, tecnologia, desenvolvimento econômico, serviço público de qualidade e bem-estar social. Uma articulação a serviço de um projeto diametralmente oposto ao obscurantismo, à miséria e à cultura da violência e da intolerância que se espalha pelo país. Um projeto, ficando em bases solidárias, em que todos tenham a chance de realizar suas potencialidades e que não permita que ninguém seja deixado para trás.
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2019
Direção executiva da Asfoc-SN