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Por um mundo possível e necessário

No 1º dia da Conferência Interamericana da Internacional de Serviços Públicos (ISP), em Buenos Aires, na Argentina, a direção da Asfoc-SN distribuiu uma nota (versões em português, inglês espanhol) que apresenta o trabalho e os trabalhadores da Fiocruz, e a relevância das atividades realizadas na Fundação. “Por um mundo possível e necessário” foi lida e entregue ontem (24/06) aos cerca de 400 dirigentes sindicais do setor público de todas as Américas que participam do evento.

 “Temos orgulho de nos apresentar como militantes da saúde pública. Trabalhadores de uma instituição de Ciência e Tecnologia voltada para o bem-estar social e para a construção de um país solidário e soberano…”. Veja abaixo a íntegra da nota, que será anexada ao relatório final da Conferência e enviada formalmente a todas as entidades que integram a ISP.

 Na abertura do evento, a secretária Geral da Internacional do Serviço Público, Rosa Pavanelli, disse que vivemos num período em que é necessário fortalecer a região. “Numa perspectiva em defesa dos serviços públicos de qualidade e onde se garanta um trabalho decente e digno”.

O presidente da Asfoc, Paulo Garrido, e a vice, Mychelle Alves, viajaram a convite da organização.

Nota da Asfoc:

Por um mundo possível e necessário

Ao nos colocarmos diante dessa assembleia da Internacional do Serviço Público (ISP), nós da Asfoc – Sindicato Nacional dos trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz, temos orgulho de nos apresentar como militantes da saúde pública. Trabalhadores de uma instituição de ciência e tecnologia voltada para o bem-estar social e para a construção de um país solidário e soberano. Uma instituição estratégica de Estado e patrimônio do povo brasileiro. É nessa condição de servidores públicos que vimos manifestar a nossa crença na capacidade dos trabalhadores de todos os cantos do mundo em forjar ações coordenadas de defesa ante o avanço da barbárie expressa pela selvageria de um capitalismo sem rédeas que ameaça a democracia e a paz. Um ataque frontal aos valores da dignidade humana e da civilização. Acreditamos que é possível construir sociedades mais justas.

Acreditamos na possibilidade de construção de projetos nacionais de desenvolvimento inclusivos, socialmente responsáveis e ambientalmente sustentáveis. Projetos que tenham o bem-estar da sociedade como elemento central e orientador das demais políticas públicas. Projetos que, contrariando a ideia de Estado mínimo, advoguem a existência de um Estado necessário que não fuja às suas atribuições precípuas de defensor da vida, de promotor da paz, da justiça e da cidadania. Um Estado laico garantidor da tolerância religiosa. Um Estado que, ao zelar pelo interesse da maioria da sociedade, não descuide dos direitos das minorias e dos vulneráveis. Um Estado soberano e democrático. Dotado de um serviço público de qualidade e à altura dos seus desafios e de suas atribuições de garantidor efetivo dos direitos da cidadania. Acreditamos que não há cidadania de fato sem um serviço público de qualidade.

Tal crença, entretanto, não nos turva a vista. Sabemos dos obstáculos e das questões a serem enfrentadas nessa conjuntura difícil.  Que elementos são necessários mobilizar para garantir a autonomia nacional e a justiça social? Quais as alternativas à integração dependente? Como conciliar inserção externa, crescimento econômico e justiça social? É possível alcançar o bem-estar social sem crescimento econômico? São indagações que nos cobram respostas alicerçadas em conhecimento e no debate político orientado para o bem público. Sabemos que a competição internacional ao exigir a redução de custos de produção tende a transformar as relações de trabalho em relações análogas à escravidão. Sabemos também que os ganhos de produtividade proporcionados pelos avanços tecnológicos estão sendo apropriados pelas elites econômicas e, ao contrário de uma vida melhor para todos, estão gerando desemprego, miséria e abrindo espaço para os nacionalismos xenófobos e autoritários.

O avanço neoliberal se dá em escala mundial, ameaçando seriamente direitos sociais e conquistas do Estado de bem-estar. Em seu caminho crises humanitárias e econômicas, disputas de mercados e choques culturais expressos na dramaticidade das guerras e das migrações forçadas de grandes contingentes em busca de segurança e um futuro melhor. 

Não ignoramos que o projeto civilizatório encontrou na ideologia do mercado um forte opositor. De fato, ao invés de uma aldeia global ou uma sociedade que cultiva a solidariedade e os laços de pertencimento e igualdade de direitos, estamos nos transformando em uma sociedade moldada como um mercado universal e excludente.

Não obstante as muitas crises derivadas do mercado, a onda neoliberal tem alcançado um relativo sucesso na propagação de uma ideologia que valoriza a crença cega na capacidade resolutiva desse mesmo mercado. Uma instância definidora do futuro de todos. Acima dos nacionalismos, das religiões e dos valores da civilização, da condição humana, da solidariedade e da democracia. Um mecanismo autônomo que tudo controla, e que vem se transformando em uma forte ameaça aos regimes democráticos.

No Brasil, a crise econômica e política que atingiu o país tem se caracterizado pela rápida produção de graves retrocessos no que se refere aos direitos sociais, a soberania nacional e à capacidade do país de participar de modo mais simétrico do mercado internacional.

Sob o pretexto de combater a corrupção, o grupo que tomou o poder pela via do impedimento da presidente eleita colocou em movimento uma agenda condizente com interesses de grandes grupos internacionais.

A legislação trabalhista foi duramente atingida, os sindicatos perseguidos e a seguridade social se encontra seriamente ameaçada. O pré-sal foi partilhado entre grandes conglomerados internacionais, empresas como a Embraer foram igualmente entregues.  A matriz de energia elétrica está prestes a passar integralmente para as mãos de capital estrangeiro. Mesmo a nossa integridade territorial encontra-se sob risco.

Paralelamente, o processo de industrialização segue estagnado e a economia passa por um processo que os economistas chamam de reprimarização da pauta de exportações. Estamos nos transformando em uma economia agroexportadora e extrativista. Uma economia que permite espetáculos horrendos como a fome e a destruição ambiental, como os crimes cometidos em Brumadinho e Mariana em que o rompimento de barragens geraram repercussões negativas inimagináveis. A situação se resume do seguinte modo: as grandes corporações ficam com os lucros e nós ficamos com as crateras; com nossas comunidades destruídas; ficamos com a dor; com o câncer dos agrotóxicos; com nossas sequelas; com nossos mortos; nossos lençóis freáticos e cursos d`água poluídos e nossas bacias hidrográficas e nossos rios mortos.

Por outro lado, os juros da dívida pública avançam sobre os recursos públicos consumindo metade do orçamento nacional enquanto os investimentos em educação, saúde, ciência, tecnologia, infraestrutura e geração de empregos encontram-se congelados por 20 anos. Observa-se um verdadeiro sequestro do Estado.

No plano internacional, a elite que hoje comanda os rumos do país abandonou uma estratégia contra-hegemônica e de independência representada pela participação no BRICS para se colocar em uma posição subserviente em relação a política externa e aos interesses econômicos e geopolíticos dos EUA. O que em momento algum nos faz menos solidários aos trabalhadores e sem teto daquele grande país. Entendemos que sua população também é vítima da selvageria neoliberal.

No Brasil, como em outros países, fomos varridos por uma onda de intolerância, conservadorismo e violência de grandes proporções. A seletividade da justiça e a manipulação de informações promovida pela mídia – ambas agora escancaradas com os vazamentos publicados pelo Intercept. Enquanto isso, a soberania nacional foi colocada à venda e o desemprego e a incerteza silenciosamente tomaram o lugar do otimismo e das conquistas obtidas com a Constituição de 1988 e dos avanços alcançados pela nossa jovem democracia nos anos seguintes.

O setor financeiro assumiu o rentismo como a sua principal fonte de reprodução e afastou-se das propostas desenvolvimentistas de combate à crise, cobrando a redução e o redirecionamento dos gastos públicos. Defensores do ajuste recessivo, colocaram os investimentos na área social sob ataque, procurando retirar sua centralidade da elaboração e condução das políticas públicas. Nestas circunstâncias, a conta recaiu sobre a ampla maioria da população, beneficiando em contrapartida os interesses dos setores rentistas.

Os resultados do processo de globalização têm demonstrado a necessidade de enquadramento da saúde como uma parte inegociável do desenvolvimento. E, também, que a saúde pública é uma área de atenção estratégica essencial para o bem-estar das populações, para a segurança dos países e para o bom desempenho da economia. Quando nos referimos ao conceito de saúde não estamos falando simplesmente da ausência de doenças, mas do bem-estar psicológico e social. Estamos nos referindo a segurança econômica e ao acesso a moradia, educação, emprego, lazer e segurança. Um conceito de saúde adotado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Organização Mundial de Saúde.

Em nosso país, saúde, ciência e a tecnologia se revelam como áreas fundamentais para a defesa, e provimento, dos direitos sociais conquistados na constituição de 1988, e na criação do Sistema Único de Saúde decorrente dela. Os servidores da Fiocruz têm se posicionado firmemente a favor da autonomia científica e tecnológica do país, lembrando que os recursos colocados na área não são gastos, mas investimentos imprescindíveis ao progresso social e econômico almejado por aqueles que compreendem a necessidade de construção de um projeto nacional inclusivo, sustentável e soberano. Um projeto que tenha como foco o aprimoramento da qualidade de vida para todos. Uma cidadania de fato.

Acreditamos que é preciso lutar por uma concepção de progresso na qual a dinâmica das relações entre Estado, desenvolvimento econômico e sistemas de proteção social seja pensada a partir dos impactos das políticas sociais sobre o crescimento econômico e não somente deste último sobre as primeiras, como tradicionalmente se fez. Ou seja, dirigir os esforços sobre a capacidade do conjunto de políticas sociais de promover e facilitar o crescimento, concomitantemente ao desenvolvimento social. Acreditamos que é preciso lutar por programas de trabalho que, baseados na resolução dos problemas gerados pela extrema concentração de renda e consequente injustiça social, possibilitem a internalização e o domínio de tecnologias e conhecimentos capazes de dotar os países de mecanismo capazes de atuar na defesa contra os efeitos de um mercado cada vez mais excludente e que não tem a preocupação com o bem-estar social como um dos seus objetivos. Acreditamos que seja possível construir um mundo multilateral que zele por relações internacionais equilibradas e solidárias que se pautem pela articulação do desenvolvimento social com políticas de desconcentração de renda, educação, ciência, tecnologia para todos. Um mundo para todos.

Adotar tal posicionamento significa optar –sobretudo nos momentos de crise – por colocar as pessoas como prioridade absoluta. Nesse sentido, é preciso lutar também para que os Estados assumam a defesa da vida e da dignidade como suas atribuições fundantes e centrais. Estados a serviço das suas populações que não se deixem capturar por segmentos econômicos ou interesses políticos estranhos à soberania e às bases de identidade e de pertencimento que unem solidariamente as sociedades as quais devem servir. Estados pacíficos que combatam o obscurantismo e a barbárie. Estados capazes de assegurar a existência de mecanismos de seguridade social de âmbito universal e de qualidade que sejam alicerçados na responsabilidade, interdependência e reciprocidade.

A construção desse Estado desejado por todos nós não pode deixar de incluir entre suas preocupações as iniciativas de construção de sistemas de gestão democrática, participativa e de qualidade para o serviço público. Estruturas de governança que contemplem e ampliem o grau de controle social sobre as instituições do Estado e estimulem a cobrança de qualidade por parte da população destinatária dos seus serviços. Estruturas que promovam relações de trabalho mais justas, e que tenham como referência a finalidade de oferecer à sociedade serviços de qualidade, pautados nos ideais da transparência e da equidade.

Apesar dos baques sofridos, aprendemos muito. Está na hora de retomarmos o protagonismo da construção do mundo que queremos. Um mundo em que ninguém seja deixado para trás.

Nesse sentido, nós da Asfoc-SN, que representamos trabalhadores da Fiocruz em todas as regiões de um país continental, olhamos com bons olhos o trabalho desenvolvido por vocês todos que integram a Internacional do Serviço Público. É por acreditar no internacionalismo da luta dos trabalhadores e nos valores defendidos pela ISP que almejamos fazer parte dos seus quadros. Muito obrigado.

DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL DA ASFOC-SN

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