O país passa pela maior crise de sua história. Uma crise sanitária, econômica, ambiental, política e de valores. Uma calamidade sem precedentes.
Chegamos a cerca de 570 mil vítimas fatais. 570 mil vidas perdidas! 25% dos mortos por covid-19 do mundo são brasileiros. Temos 130 mil órfãos. Nosso sistema público de saúde está à beira do colapso; sofremos com desabastecimento de insumos e medicamentos; nossos profissionais, submetidos a um duro estresse físico e emocional, estão esgotados e esquecidos pelo governo federal.
Irresponsável e temerário, Bolsonaro apostou na imunização de rebanho sem emprego de vacinas. Não considerou relevante o imenso número de mortes que tal medida acarretaria. Também não mediu as consequências de promover a livre circulação do vírus em nosso território, incluindo entre elas a facilitação do surgimento de variantes mais potentes e perigosas.
Diante da pandemia, o governo Bolsonaro apostou em falácias como o tratamento precoce. Um tratamento à base de cloroquina e outros medicamentos ineficazes e contraindicados para o combate à covid-19. Uma propaganda enganosa que levou a que muitas pessoas sofressem graves efeitos do uso indevido das drogas alardeadas como a solução pelo presidente. Uma ação de governo que fez aumentar os lucros de laboratório e fornecedores privados, e levou à morte parte daqueles que acreditaram na propaganda governamental.
Vivemos situações pavorosas e inimagináveis. Desamparada, Manaus foi um exemplo trágico da incúria e da crueldade do governo federal e seus aliados locais. Lembramos aqui a pavorosa falta de oxigênio e de sedativos e medicamentos utilizados em intubações. Uma barbaridade que se repetiu em outras cidades do país, a exemplo de municípios do Pará.
Frente ao avanço da pandemia, o governo Bolsonaro desdenhou dos riscos que a doença trazia para o país e não promoveu uma política de vigilância e controle dos aeroportos, portos e fronteiras. Ao contrário, agiu contra governadores que buscaram adotar uma fiscalização sanitária mais rígida nos aeroportos, como o governador do Ceará, alvo recente desse tipo de ação.
Na verdade, o Bolsonaro, apostando em uma improvável e cruel “imunização natural” que selecionaria os mais fortes, se recusou a articular as defesas nacionais contra a pandemia, chegando mesmo ao absurdo de não promover sequer campanhas de esclarecimento da população. Em sentido diametralmente oposto, buscou desqualificar as autoridades sanitárias como a OMS e desautorizar pesquisadores e instituições cientificas do Brasil e do exterior. Nessa linha, atacou a promoção de medidas preventivas como o uso de máscaras, o distanciamento físico e a higiene pessoal. Se colocou contra iniciativas de lockdown, de restrição de movimentação social e de proibição de aglomerações.
Incompetente, o governo Bolsonaro não promoveu a testagem e deixou vencer o prazo de validade de cerca de 7 milhões de testes. Retardou a compra de vacinas e atrapalhou a negociação com fornecedores estrangeiros de insumos e vacinas, como os chineses. A exemplo do que já tinha feiro com o Mais Médicos, desmontou equipes competentes e programas exitosos do Ministério da Saúde, como o Programa Nacional de Imunizações. Relutou em fornecer o auxílio emergencial, só cedendo quando viu na medida uma forma de obter apoio popular. Um conjunto escandaloso de ações e omissões que a CPI da Pandemia vem revelando à nação.
O setor saúde, atingido duramente pela Emenda Constitucional 95, que congelou investimentos e gastos por 20 anos, enfrenta, a um só tempo, uma pandemia renitente, uma grande demanda reprimida que se acumula e se soma ao crescente registro das sequelas ainda pouco conhecidas da covid-19. Um enfrentamento que se dá em meio a falta de pessoal e a ausência de concursos ou mesmo a recusa de incorporar aprovados que excediam o número de vagas do edital, como ocorreu no último concurso para a Fiocruz. Um enfretamento que se dá em meio a uma atmosfera de negacionismo, mentiras, manipulações, perseguições políticas e nenhum reconhecimento. Uma situação agravada pela queda da qualidade de vida da população, pela precarização dos serviços públicos e pelo esgotamento físico e emocional da linha de frente.
Vivemos um drama que vem se construindo desde Temer com a implementação de uma política de fragilização do Estado e do serviço público. Uma fragilização que se verifica de forma contundente nos ataques aos direitos da cidadania e às políticas sociais. Uma fragilização que se torna mais grave diante do desastre econômico capitaneado por Paulo Guedes. Um desastre expresso em falências, fuga de capitais produtivos e desamparo aos trabalhadores. Uma catástrofe que drena recursos para o setor financeiro rentista, acelera a desindustrialização e nos transforma, cada vez mais, naquilo que os economistas chamam de fazendão: uma grande área produtora de matéria-prima para exportação tocada por mão de obra barata. Produzimos déficit público para alimentar o rentismo e não para alavancar o desenvolvimento. Vivemos um verdadeiro sequestro do Estado por grupos contrários aos interesses nacionais.
No governo Temer, com o apoio de Bolsonaro, Guedes e os neoliberais, passamos por uma Reforma Trabalhista que retirou direitos e abandonou os trabalhadores à própria sorte com a promessa mentirosa de que a iniciativa iria gerar mais empregos. No governo Bolsonaro, vimos a Reforma da Previdência acabar, na prática, com a possibilidade de aposentadoria. Agora mesmo, está em curso a discussão da Medida Provisória 1045, que, a pretexto de estimular e proteger empregos, acaba rebaixando ainda mais a proteção aos trabalhadores. Enquanto o país bate recordes de produção de grãos para exportação, testemunhamos o crescimento da fome e um ataque vil aos direitos da cidadania e às instituições de bem-estar estabelecidos na Constituição de 1988. O resultado é a queda do país no ranking das economias mundiais e o brutal declínio da qualidade de vida da maioria da população. Definitivamente esse é um modelo econômico que não serve ao país.
O crescimento do desemprego chegou à estarrecedora marca de aproximadamente 15 milhões de desempregados. Números que se somam aos 6 milhões de desalentados e aos 40 milhões de informais. Temos 63 milhões de brasileiros negativados no SPC-Serasa. Cresceu absurdamente o número da população em situação de rua. A fome voltou e com ela cenas como a fila do osso em Cuiabá. A insegurança alimentar atinge hoje quase 50 milhões de pessoas. Enquanto os trabalhadores enfrentam o desemprego, o congelamento e a redução de salários e direitos, a inflação volta a afligir as famílias. Itens como o gás de cozinha e alimentos que compõem a cesta básica alcançaram preços absurdos e proibitivos.
Em meio a maior calamidade de nossa história, o governo ignora prioridades e luta pela aprovação da Reforma Administrativa, uma reforma que vai abrir as portas da administração pública para apadrinhados. Uma ocupação do Estado por representantes de interesses privados totalmente estranhos ao bem comum. Um coroamento de uma política destrutiva. Um verdadeiro assalto ao Estado brasileiro.
O desamparo como política de governo está gerando uma situação insustentável. Uma situação que vai aumentar muito a pressão sobre a saúde pública. Em tais circunstâncias, não é difícil adivinhar que, apesar de já muito ruim, a crise vai piorar bastante. Não podemos permitir a continuidade dessa situação. É preciso dar um basta. Precisamos reagir antes que seja tarde demais. É preciso alterar radicalmente o rumo que estamos seguindo.
A retórica ufanista, o patriotismo de fachada e o uso da religião não conseguem esconder o tamanho da crise que vivemos e o projeto destrutivo tocado por um governo antinacional. Um estrago que vai custar décadas para ser sanado. O Estado não pode se resumir a um balcão de negócios de uma elite parasitária e predatória. É urgente que o Estado passe a servir aos interesses da maioria da população. É urgente que o Estado passe a proteger a vida e ser utilizado como instrumento de um processo civilizatório.
Estamos sofrendo duplamente: enquanto trabalhadores da saúde e como cidadãos. É mentira que não há recursos, basta olhar para a farra de emendas parlamentares no chamado orçamento secreto. Uma farra bilionária para negociar apoio no Congresso. A saúde vai parar e não é pela eclosão de um movimento grevista, mas pelo descaso do governo federal.
Como servidores da saúde temos consciência de nossas responsabilidades e, enquanto pudermos resistir, descartamos a possibilidade de paralisar atividades essenciais em uma hora tão grave. Entretanto, não podemos ficar apáticos diante da destruição que atinge o país e ameaça nossas instituições, nossos empregos e nossas famílias.
Na tentativa de anular qualquer forma de controle sobre os atos de um governo com vocação totalitária e nenhuma transparência, o presidente e seus aliados agem como arruaceiros, promovendo a quebra de hierarquia, atacando governadores e prefeitos, bem como preceitos constitucionais e representantes de outros poderes da República. Nesse momento difícil de nossa história, é crucial nos colocarmos, forte e decididamente, em defesa da democracia.
É preciso recuperar o Estado para a população. É preciso lutar para que as demandas sociais sejam contempladas com orçamentos condizentes com as suas urgentes necessidades. É preciso lutar por um serviço público de qualidade. É preciso lutar por concursos públicos. É preciso lutar por condições de trabalhos e salários dignos. É preciso lutar para incluir a população no orçamento e os ricos como contribuintes no imposto de renda.
A Asfoc-SN convoca a todos a participar das lutas gerais em curso no país e a se mobilizar para uma campanha em defesa da Fiocruz e da reposição das perdas salariais e de direitos que estão, há longo tempo, corroendo nossas condições e capacidade de trabalho. Uma campanha que pretende ocupar as praças, denunciando as políticas de destruição de um governo que não zela pelos interesses da população e, muito menos, pela vida.
Diretoria Executiva Nacional da Asfoc-SN